
É conhecido o fascínio da literatura pelo cigarro. Recordamos, ao começar a ler Depois de tudo tem uma vírgula, a Zeno de Italo Svevo, com suas neuroses e traumas. Mas Rita gosta é de bitucas, palavra cujo som já evoca algo de infantil e alegre que nos deixa adivinhar uma resistência inesperada à tragédia. Escolhe por isso apresentar-se falando do tempo que faz, para falar do tempo que faz, do tempo que passa, para dizer de um tempo que não passa nunca.
Ao sol, fumando as bitucas na rodoviária, Rita é anónima e iluminada, parece reivindicar para si tudo o que há de resto, de sobra, de dejecto. Catadora de lixo e colecionadora de palavras, Rita e a narração são de uma leveza que pesa, uma poesia inesperada: “Tristeza mata mesmo, eu já morri disso também”.
Elizabeth Cardoso vai-nos levando camada por camada para dentro da cena. Estamos ali com ela, no quarto vazio, na tortura, entendendo por que esta é sempre…
É conhecido o fascínio da literatura pelo cigarro. Recordamos, ao começar a ler Depois de tudo tem uma vírgula, a Zeno de Italo Svevo, com suas neuroses e traumas. Mas Rita gosta é de bitucas, palavra cujo som já evoca algo de infantil e alegre que nos deixa adivinhar uma resistência inesperada à tragédia. Escolhe por isso apresentar-se falando do tempo que faz, para falar do tempo que faz, do tempo que passa, para dizer de um tempo que não passa nunca.
Ao sol, fumando as bitucas na rodoviária, Rita é anónima e iluminada, parece reivindicar para si tudo o que há de resto, de sobra, de dejecto. Catadora de lixo e colecionadora de palavras, Rita e a narração são de uma leveza que pesa, uma poesia inesperada: “Tristeza mata mesmo, eu já morri disso também”.
Elizabeth Cardoso vai-nos levando camada por camada para dentro da cena. Estamos ali com ela, no quarto vazio, na tortura, entendendo por que esta é sempre no presente. A autora com mão firme estabelece com o horror uma relação de intimidade e segurança, conduz-nos nesse universo privado (Rita, seu irmão, a menina das perguntas) a pensar: Qual é o valor das coisas? Quem pode falar sobre o quê? O que é a loucura? O que é sobreviver?
Com uma segurança rara numa autora estreante (em romance) consegue mostrar-nos que ainda há muito a dizer sobre a ditadura, o feminino, a inocência, o amor, sobre desistir e resistir, conseguindo a rara combinação de investigar tanto o humano como a função da literatura: afinal para que colecionar palavras?