
Experiências sobre editar um corpo, de Letícia Féres (poemas) e Laura Daviña (ilustrações e projeto gráfico), apresenta um paralelo entre o processo histórico de edição dos corpos humanos e os processos característicos da edição de um livro. O que evidencia a própria natureza editável dos corpos – tantas vezes ocultada pelo senso comum e sua metralhadora de normatividade – e também os elementos utilizados na construção do objeto livro.
Para deixar claro que um livro é um objeto construído – um constructo, que diz em si mesmo mais do que apenas seu conteúdo escrito –, e que também os corpos são construídos coletiva e individualmente, o livro usa diversas estratégias antirreducionistas. E, entre elas, merece destaque sua aversão aos rótulos.
Letícia Féres traz a experiência individual na construção de seu próprio corpo, ultrapassando o simples relato, e complexifica a discussão sobre gêne…
Experiências sobre editar um corpo, de Letícia Féres (poemas) e Laura Daviña (ilustrações e projeto gráfico), apresenta um paralelo entre o processo histórico de edição dos corpos humanos e os processos característicos da edição de um livro. O que evidencia a própria natureza editável dos corpos – tantas vezes ocultada pelo senso comum e sua metralhadora de normatividade – e também os elementos utilizados na construção do objeto livro.
Para deixar claro que um livro é um objeto construído – um constructo, que diz em si mesmo mais do que apenas seu conteúdo escrito –, e que também os corpos são construídos coletiva e individualmente, o livro usa diversas estratégias antirreducionistas. E, entre elas, merece destaque sua aversão aos rótulos.
Letícia Féres traz a experiência individual na construção de seu próprio corpo, ultrapassando o simples relato, e complexifica a discussão sobre gênero e sexualidade, tão cara ao nosso tempo. Ela convoca os corpos desviantes – sejam eles quais forem – a observar os processos de edição que lhe foram socialmente impostos, mas também a observar que eles podem e devem ser os editores de si mesmos – o que não significa moldar-se para caber nesta ou naquela identificação.
O livro fala do “corpo como espaço de construção biopolítica, como lugar de opressão, mas também como centro de resistência”, como Marie-Hélène Bourcier escreve no prefácio do Manifesto contrassexual, de Paul Preciado. E também amplia a discussão, porque falar de gênero implica falar de questões de saúde mental, de educação, de relacionamento.
Laura Daviña, que criou uma tipografia própria para o projeto, também discute a potência dos entre-lugares. Seus desenhos ficam entre o figurativo e o abstrato, sugerindo corpos em formação, deformados ou contra a forma. Eles mesmos são corpos em movimento, em processo. Os traços são borrados, vazam de si mesmos, e parecem sugerir – em vez de linhas rígidas – limiares, lugares de toque entre o dentro e o fora.
O livro foi composto com caracteres transformados pelo contato e sobreposição de diferentes tipos monoespaçados – aqueles que se usam nas máquinas de escrever. A família “Quem”, usada junto com a fonte “Whois” e a “Compagnon”, foi criada especificamente para o projeto e está disponível para download sob licença livre em: .
Além disso, o livro continua vivo e vulnerável à experiência, para ser recomposto e reconfigurado no espaço virtual criado para experimentação colaborativa em: . Nesse link, os leitores e as leitoras podem operar colaborativamente mudanças no arquivo e, juntos, editarem essas “experiências”.
Além da questão sobre gênero propriamente, algumas perguntas pairam sobre o livro: “o que é um corpo?”, “o que é editar?”, “o que é escrever?”. E não se respondem. Isso evidencia a complexidade da própria vida de Letícia Féres (e de tantos outros e outras), que veio se editando e sofrendo tentativas de edições ao longo da vida; que aceitou edições, rejeitou outras, mas que decidiu lidar de uma outra forma com todas essas intervenções, para ser autora do próprio corpo-livro. Para ela, esse processo de autoria do corpo ocorreu como em um processo de descoberta da própria escrita, no qual foi preciso – e é preciso, sempre um processo – encontrar a própria voz. É algo que demanda mais perguntas do que respostas. É algo aberto. Por isso também, e porque são experiências, esse lançamento é um livro aberto.
Letícia e Laura nos colocam diante de potencialidades da arte comumente lidas como antagônicas: a capacidade de se posicionar e questionar o estatuto sociopolítico de uma época – o que, geralmente, dá ao artista ou ao objeto de arte a alcunha de militante ou politizado – e a capacidade de tensionar suas características formais próprias, pensando-se enquanto se faz – o que geralmente aciona as noções um tanto gastas de formalismo e autonomia. Felizmente, o livro não opera nessa dicotomia, recusa-a.
Experiências sobre editar um corpo conta com texto de orelha da fotógrafa Dri Galuppo e posfácio da ativista Bhuvi Libanio. Pode ser comprado avulso ou acompanhado de um pôster impresso em risografia, desenhado por Laura Daviña.
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